segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O que ficou preso na garganta


Não penses que é mentira o que tenho pra dizer... só porque não estudei contigo no jardim da infância. Só porque não sei teu telefone, endereço, nem teu nome. Só porque não juntei teu lenço nem te cedi a vez. Só porque não nos esbarramos no corredor da escola, não juntei teus livros, nem toquei “acidentalmente” em tuas mãos. Só porque não sei tocar violão nem andar num cavalo branco. Só porque não te tenho no facebook nem deixei recado no teu orkut. Só porque não roubei rosas para lançar pelo caminho dos teus pés. Só porque não te presenteei com o sapatinho vermelho que tanto namoraste na vitrine. Só porque não tive coragem de faltar o trabalho e seguir caminho em tua direção. Só porque hoje é terça-feira e chove. só porque te vi pela primeira vez hoje e não tive coragem de me declarar: o eu te amo ficou preso na garganta feito a espinha do peixe que não morreu.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Lembrancinha


Por vezes penso em como vou lembrar o tempo de hoje, amanhã.

O dia passou preguiçoso em contraste com a velocidade das imagens na janela do ônibus. Depois do abraço e de um café que só o destino, quem sabe, nos revelará quando, de fato, tomaremos, restou a saudade. A lembrança do que se passou e o desejo do que poderia ter acontecido.

Ficou no corpo o cheiro do outro. As marcas do passado repousam docemente nas gavetas da memória. Algumas, gostaríamos de ter perdido a chave, mas são justamente essas que parecem ter sensores para automaticamente se abrirem assim que nos aproximamos.

Um dia desses, abri uma dessas gavetas, com o mesmo cuidado com que abro minha caixinha de cartas, as que recebi e as que não enviei. E foi um retornar para vida que já não tenho e que nunca mais voltará.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

não se deixa um grande amor, se perde



Namoro é uma fase de teste. Não o teste do outro, mas de nós mesmos, ou, no máximo, o teste do “nós”. Saber se combinamos, se suportamos as falhas, os defeitos. Não se namora apenas para curtir. Namoro que só se curte não é namoro, é “fica”. Mas o “fica” não fica, senão não é “fica” de verdade. Aliás, o “fica” deveria se chamar “foi”, pois quando a pessoa com que ficamos realmente fica (permanece) conosco, então já não estamos mais “ficando” e sim namorando.
E namoro é o segundo passo do amor. Depois da química, da ansiedade, do medo... aí vem o primeiro beijo, a marca do outro em nós, uma experiência que transcende o olhar, o cheiro, avança para o paladar e se aconchega na memória. Além de doce lembrança, o primeiro beijo é um selo facilmente rompido por aquele que recebeu, como se rompia selos de cartas antigamente, aqueles que só vemos em filmes de época, com a marca de um anel.
Mas, como na carta, o mais importante não é o selo e sim aquilo que está selado. Aquilo que vem depois do selo, que pode ou não ser bom. Por isso há sempre tensão antes de abrir uma carta ou depois do primeiro beijo: haverá um segundo? Ou tudo se encerrará naquele toque de lábios? Naquele abrir de carta? Entre o riso e o choro se instaura a tensão, a ansiedade, a dúvida...
O namoro já é a carta respondida. A continuação da escrita do outro em nós. É uma tatuagem, remover é um sofrimento e custa caro. O primeiro beijo é o aceno do amor, o namoro é já o abraço apertado.
Mas e o “grande amor”? Quando chega? Depois da convivência. Depois que se percebe que na nossa vida já está a vida do outro e vice-versa. Quando ir ao cinema não tem graça sem sua companhia. Estar à beira do rio é pensar em tudo que já vivemos com nosso amor. Quando sentimos a falta do outro nas coisas mais simples. Vendo um filme na sala. Perguntando se ficou boa a roupa que acabamos de vestir, como se a aprovação do outro fosse o último item do vestuário.
E se a vida do outro já está em nós, então deixá-lo é retirar uma parte de nós. E ninguém anda dizendo por aí que deixou um braço ou uma perna, mas que perdera um braço ou uma perna.
Por isso digo que não se deixa um grande amor, se perde. Perdemos pelas palavras não ditas, pela briga que não brigamos para parecer estar bem o que não estava, pelo ciúme exagerado, pela desatenção, pela aparente segurança de não perder, pela presunção de que outro fosse para sempre nosso, pela covardia da traição, pela apatia da repetição (os mesmos programas, as mesmas músicas, os mesmos lugares, etc.). Perdemos por não compreender que o outro é diferente. Porque não fomos capazes de perceber que a perda se fez aos poucos, a cada dia.
E é só quando nos damos conta que o amorzinho já não estar mais ao lado, é só aí que percebemos que ele era na verdade o nosso grande amor. Percebemos que o grande amor só é grande porque se fez de pequenos amores, dos detalhes, como diria Roberto Carlos. Detalhes que de tão pequenos deixaram de existir sem que percebêssemos.
É então que percebemos que não conseguimos viver só, pois ele faz falta até nas fotografias da família. Andamos como se sentíssemos a sombra do outro ao nosso lado, feito um fantasma que está sempre presente para nos lembrar que estamos longe do nosso grande amor.
Repito, um grande amor não de deixa, se perde.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

aos pés


Sempre me pareceu estranho ver um homem aos pés de uma donzela. Achava bajulação, puro interesse. Cai um lenço e dez homens a curvarem-se. Mas, um dia desses, me peguei aos pés de uma. Ali estava eu, de joelhos, quase adoração. Mais estranho ainda era meu estado de graça, meu momento de epifania, sentia-me Madalena aos pés de Cristo. Lavar os pés, tocá-los, calçá-los como uma mãe os pés de seu bebê. Quis beijar aqueles pés, confesso, quis ser o chão enlameado a ser pisado, ferido, sulcado, arado pelo salto. Quis saltar-lhe ao tornozelo, fazer-me pingente e andar pendurado sobre os pés, roçá-lo num vai-e-vem desenfreado. Quis ser riacho que atravessa o caminho dos viajantes, daqueles que só se levanta as vestes pra não molhar a orla. Cheguei até a querer ser espinho para poder penetrar um pouco além da superfície, deixar claro minha existência nos pés, quis ser bicho de pé, procurar uma brecha, fazer um leito fértil, deixar ali minha linha de vida. Quis carregar os pés e não mais deixá-lo carregar o peso do corpo. Quis ser asa... ser nuvem... quis ser tudo quanto aqueles pés pudessem pisar. Quis ter os pés presos ao pescoço para satisfazer meus desejos de beijá-los como um devoto faz ao terço. Quis tanto que meu querer fez-se espanto, meu espanto fez o medo, que abriu meus dedos feito flor... E ela se foi deixando pegadas como as árvores deixam folhas secas aos sabor do vento.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Como adestrar um homem

Freud passou toda a vida intrigado por não conhecer o universo feminino. A minha inquietação é outra: como pode ser tão fácil conhecer um homem?. Lendo uma revista de adestramento de cães, por exemplo, descobre-se a alma masculina:
“O princípio básico da educação canina é simples. Consiste em evitar que o cão adquira maus hábitos, eliminando oportunidades que o favoreçam e repreendendo-o quando erra. Ao mesmo tempo, é muito importante elogiá-lo quando age corretamente; para reforçar o bom comportamento.”
Eis aí o resumo de um homem “o princípio básico”. Se você está solteira é porque quer. Basta adestrar um cão e já se tem meio caminho andado. A outra metade é encontrar um cão, digo, um homem para o treinamento. Seguindo “o princípio básico da educação canina”, duas recomendações são fundamentais, aliás, só existem essas, tá:
Dizer NÃO: “Olhe nos olhos dele e diga NÃO em tom enérgico, sem gritar e deixar espaço para contestação. Passe com naturalidade a ideia de que o domina” (naturalidade e dominação andam de mãos dadas).
“Quando fizer algo reprovável, diga NÃO e puxe o enforcador (ele vai adorar!), provocando uma leve enforcada (aliás, você pode conseguir tudo o quiser, basta provocar). Interrompida a ação indesejada, elogie-o com moderação, sem afagos” (só para alimentar o ego).
Dizer SIM: “Mostre sua satisfação usando palavras animadoras (muito bem, querido, etc.). Simultaneamente acaricie-o. Faça-o imediatamente após a ação, para uma prefeita associação de ideias (eis a lição maior, acariciou... ganhou). Petiscos não são recomendados, podendo causar desvios de comportamento” (para qualquer desvio de condutas, basta puxar o enforcador, não esqueça!)
Prontinho. Um homem pelo preço de um cão. E ainda sobra troco.

sábado, 30 de abril de 2011

o brinco saxufocando




hoje seria mais uma noite de alegria... lembrar os velhos tempos de recital. ourvir Leo Gandelman muito bem acompanhado. aqui cabe bem o duplo sentido. o saxofonista tinha realmente bons músicos para lhe acompanhar. eu tinha a Blanco aqui do meu lado. tínhamos nos encontrado na livraria, sempre um bom lugar para reencontro. um abraço apertaaado, gostoso demais... tão gostoso que prefiro não comentar. oi tudo bem quanto tempo vamos lá. rapidinho já estávamos no espetáculo. ansiedade, calor, bate-papo. lanchinho, papo e finalmente o início. duas músicas inéditas para começar. quase pedimos bis no início, de tirar o fôlego. tudo ia muito bem até que se notou o repentino desaparecimento do brinco esquerdo. perdi uma lado do brinco. não brinca!? sério! poxa e agora? achados e perdidos? que será do brinco sem o aconchego daquela orelhinha? desconsolado chora o brinco saxufocando. e orelhinha? assim nua é tão convidativa. lembrar que somos somente amigos. esquecer o desejo de cravar o dente no lugar vazio. mais música. e uma surpresa. o brinco esquerdo enciumou-se e fez-se o apagão. silêncio. o brinco chora, perdido no escuro, órfão ao relento. feito o coração dos deixados.

sábado, 23 de abril de 2011

primeiro passo


sem saber como começar, salto. o primeiro passo é temerário. por isso lanço-me com a certeza que meu voo é curto, feito o salto da criança na cama elástica. o sorriso está em cair e saber que o próximo salto será mais alto que o salto do sapato.