quinta-feira, 7 de novembro de 2013

O que toda mulher quer
Mulher ama homem romântico, mas casa com homem prático. Atire a primeira desculpa aquela que discordar. É do conhecimento de todos que todo romântico é inconsequente, atrapalhado, tropeça nos próprios sonhos, cai no corredor da vida na frente de todos e dá aquele sorrisinho amarelo de manga estatelada.

Romântico é o homem que toda mulher gostaria de ter em casa. Mas só em casa. A vida acontece mesmo é fora de casa, meu camarada. Nenhuma mulher quer sair com um homem estabanado gaguejando e chorando a cada passo. Mulher quer homem que segure na mão, mas prefere o que segura a sacola numa mão e o filho na outra.

Mulher gosta de homem que faz um poema de amor enquanto ela faz as compras. Sim, ama. Mas prefere aquele impaciente que tem carro. O amor não é tão lindo num ônibus lotado. Além disso, não conheço ninguém que tenha comprado um carro com poemas de amor. E se tiver, o poeta com certeza já tem mais de sessenta anos. E, perdoem-me os velhos, mas a única mulher sex que, ao ouvir a palavra “homem”, pensa num que tenha mais de sessenta é a sexagenária.

Mulher gosta de homem que lhe oferece flores, mas prefere aquele que trás o vaso também. Afinal, marmanjos, quem nunca ofereceu flores ainda não conhece aquele olhar de espanto do outro lado do buquê. Sim, espanto sim. E por duas razões: a primeira é que toda mulher sonha em receber flores, desde sempre. Desejo cada vez mais aumentado pelas cenas de novelas ou filmes ou ainda da vida real; a segunda razão é que nenhuma mulher que ainda não recebera (e mesmo algumas que já tenham recebido) flores tem um vaso para colocar as flores.

É aí que começa o improviso. Pega uma panela, um jarra da geladeira, um balde. Sem contar com aquelas que enchem a pia d’água. Suspeito que essa última chega até cogitar a possibilidade de por as flores no vaso sanitário. Então, meus caros, nada de flores em via pública. Que é romântico não se pode negar, mas as mulheres de hoje querem mesmo é um homem prático. E se em casa elas já têm dificuldade de encontrar um lugar pras rosas, imagine se estiver na rua. Vai adorar o presente e desejar mais ainda que você se retire para que possa jogar o buquê na primeira lata de lixo. Mas também pudera, quem vai andar por aí pagando um mico leão rosada, hein?

Na verdade o que toda mulher quer é um homem que seja romântico em casa e prático na rua. Em outras palavras, não quer um homem, quer um super-homem.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Leite derramado


Acabou. Num instante a felicidade estava à porta, noutro só as lembranças haviam ficado como pegadas na areia que ao sabor do vento vão se apagando.
De todo o colorido resta a natureza morta. As juras de amor à beira do rio, os bilhetinhos na sala de aula, as horas infindas ao telefone, aquela insistência boba “desliga você” “não, desliga você” que durava a noite inteira, o olhar perdido no corredor...
Tudo agora escorre sem parar. Não adianta chorar sobre o leite derramado. Mas como cachorrinho, bebo com a língua ainda mais uma gota. Quem sempre viveu de migalhas, não reclama da necessidade.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

“Porque ele anunciou tudo nesse poente...


...Que a paixão dele desbrilhara. Sem mais nada,
nem outra mulher havendo. Só isso: a murchidão do que,
antes, florescia. Eu insisti, louca de tristeza.
Não havia mesmo outra mulher? Não havia.
O único intruso era o tempo,
que nossa rotina deixara crescer e pesar.
Ele se chegou me beijou a testa.
Como se faz a um filho, um beijo longe da boca.
Meu peito era um rio lavado, escoado no estuário do choro.”

(Mia Couto - O Fio das Missangas)


Certa vez, assim sem mais nem menos, falei de meu amor, e fui perguntado: quantos anos vocês já estão juntos? Disse que ainda íamos completar um mês. Rio. Rimos. Assim fui percebendo o quanto somos precipitados, desesperados.
Há sempre medo no coração do homem.
Como avançar se sabia que continuaria inerte? Há menos riscos em permanecer que em seguir. Ela sempre buscou segurança. Eu sempre inconstante.
Por que passamos mais tempo só que juntos? O tempo que ficamos separados não foi perdido, ganhamos tempo para fazer de nós o porto para o outro. Antes éramos menos, agora somos mais.
O tempo trata de moldar-nos um para o outro.
Mas este mesmo tempo pode separar. Não sei porquê de tanta briga, às vezes por motivos que não são razões. Brigamos por nada.
Quando completamos dois anos, mais briga. Mas também risos. Ela não quis dizer nada sobre o tempo. Eu queria, mas permaneci em silêncio, pois não poderia me abrir enquanto insistia em fechar-se. Já não poderia ser assim: eu um passo, ela um passo atrás.
Estamos bem próximo de completar três anos. O que mudou? Continuamos com as brigas. Mas já não brigamos pela mesma coisa duas vezes. Admitimos o que antes tínhamos medo.
Tenho que fazer uma confissão: finalmente aprendi que o amor pode acabar. Ela me ensinou. Percebi que aí residiam muitas de nossas diferenças. Eu sempre caminhei em sua direção como quem se entrega para a morte, sem reservas. Ela veio a mim com bagagens, como quem vai fazer uma viagem, como quem no fundo tem o desejo de voltar de onde partiu.
Eu abri meu coração em um bilhete que depositei no seu correio. Me respondeu “que não sejam apenas palavras que o vento leva”. Fechou meu coração com a perícia de uma costureira. Eu quis que o vento levasse minhas palavras. Que destino melhor às palavras que desbravar novos horizontes ao sopro do vento?
O tempo rouba nossas certezas.
O amor envelhece. Fica sem a mesma força, mas também não tem mais a precipitação da juventude. O amor maduro anda nos passos do tempo. Ora acelerado, ora em rallentando. Como o tempo, nunca volta e nem pára, segue em intervalos.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O que ficou preso na garganta


Não penses que é mentira o que tenho pra dizer... só porque não estudei contigo no jardim da infância. Só porque não sei teu telefone, endereço, nem teu nome. Só porque não juntei teu lenço nem te cedi a vez. Só porque não nos esbarramos no corredor da escola, não juntei teus livros, nem toquei “acidentalmente” em tuas mãos. Só porque não sei tocar violão nem andar num cavalo branco. Só porque não te tenho no facebook nem deixei recado no teu orkut. Só porque não roubei rosas para lançar pelo caminho dos teus pés. Só porque não te presenteei com o sapatinho vermelho que tanto namoraste na vitrine. Só porque não tive coragem de faltar o trabalho e seguir caminho em tua direção. Só porque hoje é terça-feira e chove. só porque te vi pela primeira vez hoje e não tive coragem de me declarar: o eu te amo ficou preso na garganta feito a espinha do peixe que não morreu.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Lembrancinha


Por vezes penso em como vou lembrar o tempo de hoje, amanhã.

O dia passou preguiçoso em contraste com a velocidade das imagens na janela do ônibus. Depois do abraço e de um café que só o destino, quem sabe, nos revelará quando, de fato, tomaremos, restou a saudade. A lembrança do que se passou e o desejo do que poderia ter acontecido.

Ficou no corpo o cheiro do outro. As marcas do passado repousam docemente nas gavetas da memória. Algumas, gostaríamos de ter perdido a chave, mas são justamente essas que parecem ter sensores para automaticamente se abrirem assim que nos aproximamos.

Um dia desses, abri uma dessas gavetas, com o mesmo cuidado com que abro minha caixinha de cartas, as que recebi e as que não enviei. E foi um retornar para vida que já não tenho e que nunca mais voltará.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

não se deixa um grande amor, se perde



Namoro é uma fase de teste. Não o teste do outro, mas de nós mesmos, ou, no máximo, o teste do “nós”. Saber se combinamos, se suportamos as falhas, os defeitos. Não se namora apenas para curtir. Namoro que só se curte não é namoro, é “fica”. Mas o “fica” não fica, senão não é “fica” de verdade. Aliás, o “fica” deveria se chamar “foi”, pois quando a pessoa com que ficamos realmente fica (permanece) conosco, então já não estamos mais “ficando” e sim namorando.
E namoro é o segundo passo do amor. Depois da química, da ansiedade, do medo... aí vem o primeiro beijo, a marca do outro em nós, uma experiência que transcende o olhar, o cheiro, avança para o paladar e se aconchega na memória. Além de doce lembrança, o primeiro beijo é um selo facilmente rompido por aquele que recebeu, como se rompia selos de cartas antigamente, aqueles que só vemos em filmes de época, com a marca de um anel.
Mas, como na carta, o mais importante não é o selo e sim aquilo que está selado. Aquilo que vem depois do selo, que pode ou não ser bom. Por isso há sempre tensão antes de abrir uma carta ou depois do primeiro beijo: haverá um segundo? Ou tudo se encerrará naquele toque de lábios? Naquele abrir de carta? Entre o riso e o choro se instaura a tensão, a ansiedade, a dúvida...
O namoro já é a carta respondida. A continuação da escrita do outro em nós. É uma tatuagem, remover é um sofrimento e custa caro. O primeiro beijo é o aceno do amor, o namoro é já o abraço apertado.
Mas e o “grande amor”? Quando chega? Depois da convivência. Depois que se percebe que na nossa vida já está a vida do outro e vice-versa. Quando ir ao cinema não tem graça sem sua companhia. Estar à beira do rio é pensar em tudo que já vivemos com nosso amor. Quando sentimos a falta do outro nas coisas mais simples. Vendo um filme na sala. Perguntando se ficou boa a roupa que acabamos de vestir, como se a aprovação do outro fosse o último item do vestuário.
E se a vida do outro já está em nós, então deixá-lo é retirar uma parte de nós. E ninguém anda dizendo por aí que deixou um braço ou uma perna, mas que perdera um braço ou uma perna.
Por isso digo que não se deixa um grande amor, se perde. Perdemos pelas palavras não ditas, pela briga que não brigamos para parecer estar bem o que não estava, pelo ciúme exagerado, pela desatenção, pela aparente segurança de não perder, pela presunção de que outro fosse para sempre nosso, pela covardia da traição, pela apatia da repetição (os mesmos programas, as mesmas músicas, os mesmos lugares, etc.). Perdemos por não compreender que o outro é diferente. Porque não fomos capazes de perceber que a perda se fez aos poucos, a cada dia.
E é só quando nos damos conta que o amorzinho já não estar mais ao lado, é só aí que percebemos que ele era na verdade o nosso grande amor. Percebemos que o grande amor só é grande porque se fez de pequenos amores, dos detalhes, como diria Roberto Carlos. Detalhes que de tão pequenos deixaram de existir sem que percebêssemos.
É então que percebemos que não conseguimos viver só, pois ele faz falta até nas fotografias da família. Andamos como se sentíssemos a sombra do outro ao nosso lado, feito um fantasma que está sempre presente para nos lembrar que estamos longe do nosso grande amor.
Repito, um grande amor não de deixa, se perde.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

aos pés


Sempre me pareceu estranho ver um homem aos pés de uma donzela. Achava bajulação, puro interesse. Cai um lenço e dez homens a curvarem-se. Mas, um dia desses, me peguei aos pés de uma. Ali estava eu, de joelhos, quase adoração. Mais estranho ainda era meu estado de graça, meu momento de epifania, sentia-me Madalena aos pés de Cristo. Lavar os pés, tocá-los, calçá-los como uma mãe os pés de seu bebê. Quis beijar aqueles pés, confesso, quis ser o chão enlameado a ser pisado, ferido, sulcado, arado pelo salto. Quis saltar-lhe ao tornozelo, fazer-me pingente e andar pendurado sobre os pés, roçá-lo num vai-e-vem desenfreado. Quis ser riacho que atravessa o caminho dos viajantes, daqueles que só se levanta as vestes pra não molhar a orla. Cheguei até a querer ser espinho para poder penetrar um pouco além da superfície, deixar claro minha existência nos pés, quis ser bicho de pé, procurar uma brecha, fazer um leito fértil, deixar ali minha linha de vida. Quis carregar os pés e não mais deixá-lo carregar o peso do corpo. Quis ser asa... ser nuvem... quis ser tudo quanto aqueles pés pudessem pisar. Quis ter os pés presos ao pescoço para satisfazer meus desejos de beijá-los como um devoto faz ao terço. Quis tanto que meu querer fez-se espanto, meu espanto fez o medo, que abriu meus dedos feito flor... E ela se foi deixando pegadas como as árvores deixam folhas secas aos sabor do vento.