segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

“Porque ele anunciou tudo nesse poente...


...Que a paixão dele desbrilhara. Sem mais nada,
nem outra mulher havendo. Só isso: a murchidão do que,
antes, florescia. Eu insisti, louca de tristeza.
Não havia mesmo outra mulher? Não havia.
O único intruso era o tempo,
que nossa rotina deixara crescer e pesar.
Ele se chegou me beijou a testa.
Como se faz a um filho, um beijo longe da boca.
Meu peito era um rio lavado, escoado no estuário do choro.”

(Mia Couto - O Fio das Missangas)


Certa vez, assim sem mais nem menos, falei de meu amor, e fui perguntado: quantos anos vocês já estão juntos? Disse que ainda íamos completar um mês. Rio. Rimos. Assim fui percebendo o quanto somos precipitados, desesperados.
Há sempre medo no coração do homem.
Como avançar se sabia que continuaria inerte? Há menos riscos em permanecer que em seguir. Ela sempre buscou segurança. Eu sempre inconstante.
Por que passamos mais tempo só que juntos? O tempo que ficamos separados não foi perdido, ganhamos tempo para fazer de nós o porto para o outro. Antes éramos menos, agora somos mais.
O tempo trata de moldar-nos um para o outro.
Mas este mesmo tempo pode separar. Não sei porquê de tanta briga, às vezes por motivos que não são razões. Brigamos por nada.
Quando completamos dois anos, mais briga. Mas também risos. Ela não quis dizer nada sobre o tempo. Eu queria, mas permaneci em silêncio, pois não poderia me abrir enquanto insistia em fechar-se. Já não poderia ser assim: eu um passo, ela um passo atrás.
Estamos bem próximo de completar três anos. O que mudou? Continuamos com as brigas. Mas já não brigamos pela mesma coisa duas vezes. Admitimos o que antes tínhamos medo.
Tenho que fazer uma confissão: finalmente aprendi que o amor pode acabar. Ela me ensinou. Percebi que aí residiam muitas de nossas diferenças. Eu sempre caminhei em sua direção como quem se entrega para a morte, sem reservas. Ela veio a mim com bagagens, como quem vai fazer uma viagem, como quem no fundo tem o desejo de voltar de onde partiu.
Eu abri meu coração em um bilhete que depositei no seu correio. Me respondeu “que não sejam apenas palavras que o vento leva”. Fechou meu coração com a perícia de uma costureira. Eu quis que o vento levasse minhas palavras. Que destino melhor às palavras que desbravar novos horizontes ao sopro do vento?
O tempo rouba nossas certezas.
O amor envelhece. Fica sem a mesma força, mas também não tem mais a precipitação da juventude. O amor maduro anda nos passos do tempo. Ora acelerado, ora em rallentando. Como o tempo, nunca volta e nem pára, segue em intervalos.