sexta-feira, 1 de julho de 2011

aos pés


Sempre me pareceu estranho ver um homem aos pés de uma donzela. Achava bajulação, puro interesse. Cai um lenço e dez homens a curvarem-se. Mas, um dia desses, me peguei aos pés de uma. Ali estava eu, de joelhos, quase adoração. Mais estranho ainda era meu estado de graça, meu momento de epifania, sentia-me Madalena aos pés de Cristo. Lavar os pés, tocá-los, calçá-los como uma mãe os pés de seu bebê. Quis beijar aqueles pés, confesso, quis ser o chão enlameado a ser pisado, ferido, sulcado, arado pelo salto. Quis saltar-lhe ao tornozelo, fazer-me pingente e andar pendurado sobre os pés, roçá-lo num vai-e-vem desenfreado. Quis ser riacho que atravessa o caminho dos viajantes, daqueles que só se levanta as vestes pra não molhar a orla. Cheguei até a querer ser espinho para poder penetrar um pouco além da superfície, deixar claro minha existência nos pés, quis ser bicho de pé, procurar uma brecha, fazer um leito fértil, deixar ali minha linha de vida. Quis carregar os pés e não mais deixá-lo carregar o peso do corpo. Quis ser asa... ser nuvem... quis ser tudo quanto aqueles pés pudessem pisar. Quis ter os pés presos ao pescoço para satisfazer meus desejos de beijá-los como um devoto faz ao terço. Quis tanto que meu querer fez-se espanto, meu espanto fez o medo, que abriu meus dedos feito flor... E ela se foi deixando pegadas como as árvores deixam folhas secas aos sabor do vento.

2 comentários:

  1. Se continuar com esses passos daqui a pouco vai ter um monte de macho lendo esse blog com lagrima nos olhos!

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